O novo cenário das Licitações em razão da Lei Anticorrupção

Publicado em: 26/06/2014

Gustavo Nogueira

 

Os números são impressionantes. Só em 2013 a Administração Federal gastou em compras governamentais de pessoas jurídicas o valor de R$ 186.279.933.307,53[i].  Sem dúvida o Governo é um dos maiores compradores do país, e por essa razão é desejado como cliente por diversas empresas brasileiras.

Não é novidade que já exista um mercado construído e concebido para vender exclusivamente ao Governo, em suas diversas instâncias. De mesma sorte não é novidade que há um mercado pujante de consultorias a respeito do tema de licitações e contratos administrativos, engajadas na modalidade “business to business”. Contudo, uma novidade tende a tornar necessárias mudanças na forma desse mercado operar: a Lei 12.846/2013, conhecida como Lei Anticorrupção, com razoável difusão e ciência de todos, vai além das punições prescritas em seu corpo, para uma mudança na forma de operar nesse mercado específico e, como visto, lucrativo.

A razão está na maior sensibilidade que as condutas envolvendo os certames podem gerar. Anteriormente à edição da aludida Lei, havia a prescrição de crimes relacionados ao procedimento licitatório, contudo, a reconhecida ineficácia do instituto fazia com que ele não fosse considerado e práticas ilícitas não repercutiam severamente para aqueles que se utilizavam desses meios escusos para auferir vantagens nas concorrências.

Nesse sentido, o cenário tende agora a mudar. O que antes, pouco repercutia, em razão da necessidade de percorre-se uma dilação probatória da culpa, agora não mais é necessário, basta vincular a conduta ilícita ao fato e se terá a condenação. Trata-se, portanto, da responsabilidade objetiva.

Mas afinal, o que isso representa de mudança no universo corporativo das empresas que têm o Estado como um dos seus clientes, ou mesmo, o seu cliente exclusivo? E aí é bom que façamos uma distinção nesses dois grupos porque, de fato, eles operam de forma distinta no mercado. As empresas que operaram quase ou totalmente com vendas para o Governo concentram todos os seus esforços e recursos nessa atividade, já que o sucesso ou fracasso do empreendimento depende exclusivamente do apetite do Governo em comprar produtos ou serviços, estando essas empresas vulneráveis a qualquer mudança de cenário governamental. Isso faz com que adotem políticas de gerenciamento de riscos muito mais   moldadas a esses fatores, mesmo que as façam de forma desarticulada e instintiva.

Para essas empresas, muito mais habituadas com o ritmo de compras do Governo, a Lei veio para separar as empresas sérias e comprometidas com a execução do trabalho ou a entrega do produto ante aquelas empresas enraizadas em procedimentos fraudulentos, conchavos e subornos.  A Lei anticorrupção, nesse sentido, veio provocar uma assepsia nesse mercado, o que não ocorrerá, por certo, de forma repentina. Se vivenciará um período de transição, casos eclodirão na mídia e servirão de “leading case”. A certeza da impunidade ficará abalada e o receio de ser o próximo condenado também.

Nesse sugestivo novo cenário as empresas íntegras, que lidam de forma habitual com o Governo, precisam adotar posturas de mitigação de riscos, um para destacar-se das demais, demonstrando seu alinhamento com altos padrões éticos, e dois como instrumento de defesa de eventuais imputações infundadas. Imaginemos a seguinte situação: uma empresa séria e comprometida com os ditames legais pode vir a ser vítima de imputações falsas para desestabilizá-la ou mesmo retirá-la do mercado. Lembremos, que a autoridade apuradora do ilícito, no caso da Lei 12.846/2013 é o próprio ente prejudicado. Nesse contexto, aquele mesmo ente, quero dizer aquela mesma comissão de licitação viciada, que costuma prestigiar alguma empresa ou um grupo delas, também poderá, a depender do caso, julgar se aquela empresa séria cometeu ou não alguma irregularidade, ou seja, poderá além de prejudicá-la no certame, impor-lhe uma sanção. Por isso a necessidade de atentar-se a políticas de “compliance”, conforme previsão da própria Lei Anticorrupção, para não se tornar vítima do próprio sistema que, como vimos, veio para beneficiar empresas sérias e honestas.

Já no caso daquelas empresas que não têm o Governo como o seu principal cliente ou canal de vendas, estando aí a maioria absoluta delas, notadamente, construtoras, indústrias da área de tecnologia, saúde, segurança e prestadores de serviços nos mais diversos segmentos, os riscos podem ser ainda mais devastadores, isso porque eles podem ser margeados, postos de lado e não considerados.     

Imaginemos a situação de uma empresa que possui um setor comercial e nesse, subdivisões por segmentos específicos de mercado. Entre elas há uma área que faz a gestão das vendas governamentais. Perceba o risco a que está submetida essa empresa, se essa pequena área descuidar-se dos seus deveres legais, ou simplesmente desconhecerem a vigência da nova Lei e seus impactos. Lembramos mais uma vez que a responsabilidade é objetiva e que de nada importará pugnar pela responsabilidade pessoal daquele colaborador que agiu de forma ilícita. A empresa e até seus gestores, a depender da situação fática, responderão pela conduta com severas punições.

Há uma evidente assimetria entre risco e esforço. Com a vigência da Lei Anticorrupção, essa área específica de relacionamento com o Governo passou a ser extremamente sensível, não que antes não fosse mas, agora, as possibilidades e os riscos se potencializaram de uma forma que todo benefício auferido com esse canal de vendas pode ser dizimado por sanções pecuniárias e[ii] danosas à sua reputação, às quais a empresa pode ser submetida.

Alguns exemplos já começam a ser vistos no noticiário. O abalo com a vinculação da empresa a atos de corrupção pode ser devastador. Aquela função, por vezes atribuída ao colaborador, sem os cuidados necessários para gestão da manutenção do relacionamento com o Governo, pode acarretar sérios prejuízos, antes não considerados.

Para essas empresas, investir em programas de “compliance”, treinamento das áreas, monitoramento de transações comerciais e fomento de um forte envolvimento de todos com a política de “compliance”, é essencial para mitigar riscos e gerir de forma eficiente os seus contratos com o Governo, que como vimos é um grande comprador de serviços e produtos.

Não há porque se afastar desse mercado pelos novos riscos que ele apresenta mas, pelo contrário, o momento atual é de oportunidades. Oportunidade finalmente para aquelas empresas sérias que desejam fornecer seus produtos e serviços ao Governo sem precisar participar de atos ilícitos ou engendrar-se em esquemas escusos. Contudo, operar nesse mercado exige a adoção de práticas de governança corporativa, incorporadas em programas de “compliance”, porque o mercado pode ser lucrativo, mas os riscos que dele advêm podem ter margens ainda maiores, se não forem bem geridos.      

 



[i] Fonte: Portal da Transparência Brasil do Governo Federal

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