Montanha russa do AFRMM: revogação do desconto concedido pelo Decreto 11.321/2022 e anterioridade

Publicado em: 03/01/2023

As viradas de ano são terreno fértil para proliferação de novidades na legislação, especialmente das áreas tributária e aduaneira - foi o que aconteceu, por exemplo, com o AFRMM (Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante), que, em termos práticos, foi reduzido e aumentado em um prazo curtíssimo - uma verdadeira montanha russa que causou bastante insegurança para os importadores nesses primeiros dias do ano.

O AFRMM é uma CIDE (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), e que incide sobre a “remuneração do transporte aquaviário da carga de qualquer natureza descarregada em porto brasileiro” (art. 5º da Lei 10.893/2004). Estas receitas são destinadas a “atender aos encargos da intervenção da União no apoio ao desenvolvimento da marinha mercante e da indústria de construção e reparação naval brasileiras” (art. 3º da Lei 10.893/2004).

Para entender melhor o cenário do AFRMM, traçamos a seguinte linha do tempo:

  1. Até 29/12/2022, as alíquotas eram determinadas no art. 6º da Lei 10.893/2004:
    1. 8% para navegação de longo curso;
    2. 8% para navegação de cabotagem;
    3. 40% na navegação fluvial e lacustre, por ocasião do transporte de granéis líquidos nas Regiões Norte e Nordeste; e
    4. 8% (oito por cento) na navegação fluvial e lacustre, por ocasião do transporte de granéis sólidos e outras cargas nas Regiões Norte e Nordeste.
  2. Em 30/12/2022, foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) o Decreto 11.321/2022, que estabeleceu um desconto de 50% a partir de 1º/01/2023.
  3. Em 02/01/2023, quatro dias depois, foi publicado o Decreto 11.374/2023, revogando o Decreto 11.321/2022 e, consequentemente, eliminando o desconto e reestabelecendo as alíquotas previstas na Lei 10.893/2004 e aplicadas até 29/12/2022.

A retirada repentina do desconto de 50% no AFRMM neste ano permite que se discuta sua validade imediata, considerando o princípio constitucional da anterioridade (art. 150, inciso III, alíneas “b” e “c” da Constituição) – em outras palavras, o AFRMM só poderia ser cobrado (i) na melhor das hipóteses, somente em 2024, por conta da anterioridade de exercício; e (ii) não acatado o pedido anterior, somente a partir de 90 dias da retirada do desconto.

Em resumo: o que está valendo atualmente e o que está parametrizado no Sistema Mercante é a alíquota de 8% para navegação de longo curso (importação).

Em sua defesa, é possível que o Fisco alegue que, juridicamente, não houve majoração de alíquota por lei, mas tão somente revogação de Decreto que estabelecia desconto. Contudo, o STF já firmou jurisprudência no sentido de que qualquer ato administrativo que promovem aumento indireto de carga tributária também devem respeitar o princípio da anterioridade – como foi decidido, por exemplo, em casos de revogação de benefícios fiscais de ICMS e de diminuição do percentual do REINTEGRA através de decreto:

Ementa: AGRAVO INTERNO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1. O acórdão recorrido encontra-se em harmonia com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no sentido de ser imperativa a observância do princípio da anterioridade, geral e nonagesimal (art. 150, III, b e c, da Constituição Federal), em face de aumento indireto de tributo decorrente da redução da alíquota de incentivo do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras (REINTEGRA). 2. Nesse sentido, o RE 964.850 AgR, desta 1ª Turma, Relator o ilustre Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 8/5/2018; e o RE 1.081.041 AgR, 2ª Turma, Relator o ilustre Min. DIAS TOFFOLI, DJe de 27/4/2018. 3. Agravo Interno a que se nega provimento. Não se aplica o art. 85, § 11, do CPC/2015, tendo em vista que não houve fixação de honorários advocatícios nas instâncias de origem.

(RE 1040084 AgR, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 29/05/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-120  DIVULG 15-06-2018  PUBLIC 18-06-2018)

Assim, é viável entrar com mandado de segurança (em que não há condenação em honorários de sucumbência e tem trâmite mais rápido) para fazer valer as regras constitucionais da anterioridade. Importante que se analise também a viabilidade de pedidos de liminar, em face de possíveis problemas na operação, em razão da parametrização de declarações de importação (DI) em canais amarelo e vermelho.

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