A vedação de créditos na importação de bens usados incorporados ao ativo imobilizado da pessoa jurídica.
Norma Antônia Gavilãn Tonellatti
Em 30 de outubro de 2014 foi publicado no Diário Oficial da União o Ato Declaratório Interpretativo RFB no 13, dispondo sobre a vedação à apuração de crédito da Cofins e da Contribuição para o PIS/Pasep relativamente à importação de bens usados incorporados ao ativo imobilizado da pessoa jurídica.
A vedação dos créditos de PIS/COFINS na importação de bens de produção usados, poderá causar grande impacto financeiro às pessoas jurídicas que adquirem bens de produção usados do exterior, motivo pelo qual trataremos da ilegalidade e inconstitucionalidade de tal dispositivo recém-emanado da Receita Federal do Brasil.
Sob o ponto de vista aduaneiro, a importação de bens de produção usados é retratada nos artigos 48 a 55 da Portaria SECEX 23/2011 e no artigo 25, alínea “f” da Portaria DECEX nº 8, de 1991, configurando-se como procedimento de grande importância às empresas que necessitam ampliar ou aprimorar sua capacidade de produção no Brasil, adquirindo, para tanto, máquinas ou equipamentos usados do exterior.
Logo, sendo possível a importação de bens de produção usados, cumpre analisarmos a incidência tributária sobre esta operação. A legislação brasileira disciplina a incidência tributária sobre a importação de bens e serviços. Especificamente a Lei 10.865, de 30 de abril de 2004, instituiu as contribuições para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/PASEP) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS). Especialmente sobre nosso tema, o PIS/PASEP e a COFINS incidem na entrada de bens estrangeiros no território nacional, o que terá como base de cálculo o valor aduaneiro.
Nesse sentido, a importação de máquinas, equipamentos e outros bens sofrem a incidência do PIS/PASEP e da COFINS com a alíquota, de modo geral, de 1,65% e 7,6%, respectivamente. Por conseguinte, as pessoas jurídicas sujeitas à apuração das contribuições não cumulativas poderão descontar créditos em relação às importações sujeitas à contribuição ao PIS/PASEP e à COFINS - Importação, nos termos do artigo 15, da Lei 10.865/2004.
Tal artigo legal disciplina a possibilidade de abatimento dos créditos, para apuração das contribuições, em relação às importações nos seguintes casos: (i) bens adquiridos para revenda; (ii) bens e serviços utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustível e lubrificantes; (iii) energia elétrica consumida nos estabelecimentos da pessoa jurídica; (iv) aluguéis e contraprestações de arrendamento mercantil de prédios, máquinas e equipamentos, embarcações e aeronaves, utilizados na atividade da empresa; (v) máquinas, equipamentos e outros bens incorporados ao ativo imobilizado, adquiridos para locação a terceiros ou para utilização na produção de bens destinados à venda ou na prestação de serviços.
O inciso v, do artigo 15, da Lei 10.865/2004 é causador de grandes discussões jurídicas atualmente. A Receita Federal do Brasil, ao disciplinar a utilização dos créditos das contribuições previstas na Lei 10.865/2004, publicou a Instrução Normativa RFB nº 457, de 11 de outubro de 2004 cujo artigo 1º, §3º, II, veda a possibilidade de utilização de créditos na importação de bens usados. Ademais, de modo a sedimentar o entendimento da vedação de créditos, a Receita Federal emitiu o Ato Declaratório Interpretativo nº 13, de 29 de outubro de 2014, após a Solução Divergência nº 9- Cosit de 18 de julho de 2014.
Contudo, pelo princípio tributário da não-cumulatividade[1], previsto no artigo 195, § 12 da Constituição Federal, a possibilidade de utilização dos créditos de PIS e COFINS pagos na importação de bens usados está expressamente autorizada. Adicionalmente, pela hierarquia formal das normas brasileiras, tem-se que a lei 10.865/04, com força de lei ordinária, votada pela nas duas casas do Congresso Nacional, não traz qualquer restrição à utilização de créditos decorrentes PIS e COFINS recolhidos quando da importação de bens usados e, assim, prevalece sobre a Instrução Normativa SRF no 457/04, uma norma hierarquicamente inferior expedida por órgão da administração pública direta.
Ao vedar a utilização de créditos por meio de Instrução Normativa e de Ato Declaratório Interpretativo, normas administrativas inferiores, a Receita Federal do Brasil majora indiretamente os tributos, sendo que o contribuinte arca com o pagamento, sem a possibilidade de abatimento destes valores em sua apuração. Tal atitude configura afronta direta ao princípio da estrita legalidade tributária, expresso no artigo 9, I do CTN e 150, I da CF. Dessa forma, segue-se o princípio hermenêutico jurídico que afirma: “onde a lei não restringe, não cabe ao intérprete fazê-lo”.
Por todo exposto, verifica-se que a vedação de utilização de créditos na importação de bens usados fundamentada na IN RFB nº 457/2004 e na ADI nº 13/2014 desrespeita o princípio constitucional da não-cumulatividade. Ademais, há de se concluir que a previsão contida na Lei 10.865/2004 não menciona ou veda o aproveitamento dos créditos na importação de bens usados. Desse modo, não caberia à Receita Federal extrapolar sua competência e criar regras a partir de Instruções Normativas e Atos Declaratórios Interpretativos.
[1]A não-cumulatividade consiste na dedução do valor do imposto correspondente à saída dos produtos do estabelecimento industrial com o valor do imposto que incidiu nas operações anteriores sobre os respectivos insumos. O princípio da não-cumulatividade é constitucional e próprio dos tributos que comportam transferência do encargo, ou seja, tributos indiretos, sendo aplicado tanto aos impostos quanto às contribuições.