Pink Tax: tributação e gênero. É mais caro ser mulher?

Por BÁRBARA BACH
Coautores LETÍCIA REIS E KARLA NOVICKI
04 de maio de 2021

As mudanças no formato em que as famílias se estruturam atualmente reforçam o papel das mulheres como chefes dos lares. Na contramão desse movimento, no entanto, apesar de sua condição no mercado de trabalho evoluir constantemente, ainda não é possível dizer que há igualdade de gênero no mercado, o que reforça uma maior vulnerabilidade feminina às situações de tributações excessivas. Em contrapartida ao benéfico papel de destaque que as mulheres vêm adquirindo, seja nos lares ou no mercado de trabalho, é possível notar maior tributação por seu consumo e renda.

O preço mais alto cobrado pelo consumo de itens adquiridos predominantemente por mulheres é tratado por algumas expressões como pink tax, o tributo rosa, ou tax women, o tributo das mulheres, ambas relativas à diferença maior paga pelas mulheres pelos produtos que consomem.

De acordo com estudo realizado pela Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (FENAFISCO), em 2018, 56,8% dos lares no país eram comandados por mulheres com remuneração de até um salário-mínimo, o que reafirma essa certa vulnerabilidade tributária. O mesmo estudo ainda definiu que, quando as mulheres são as chefes de família, o perfil de consumo para os casos em que o homem é o chefe da casa é diferente – ou seja, o perfil consumidor da mulher influencia de forma direta na tributação que suportam.

Itens de cesta básica, considerados essenciais à manutenção de todo um grupo familiar, têm contribuição direta para o aumento da tributação da mulher, considerando que a mulher chefe de família consome tais itens em quantidade superior à que os homens quando chefes de família consomem. A regressividade do nosso sistema tributário e a incidência de tributação indireta alcançam a todos os contribuintes. No entanto, o perfil de consumo e o gênero de cada um dos contribuintes atuam de forma condicionante à carga tributária por eles sustentada.

Tabela 1 – Carga Tributária por tipo de despesa dos representantes dos domicílios, por sexo, Brasil, 2017-2018 – (% da renda)

Pink Tax - Tabela 1

Fonte dos dados brutos: Pesquisa de Orçamentos Familiares – POF (2017-2018); Dados tributação: Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação; Fonte da tabela: Instituto Justiça Fiscal

Com a delimitação do perfil consumidor, é possível entender que a tributação sofrida pelas mulheres está ligada ao consumo e pela faixa de renda em que estão inseridas, como exposto acima, uma vez que há incidência de imposto de renda sobre seu salário. Já tributação a menor suportada pelos contribuintes homens, seja pelo perfil de consumo, seja pela renda auferida, pode ser atribuída ao fato de a faixa de renda que recebe dividendos ser, em sua maioria, ocupada por homens, ainda que esse seja um mercado que vem sendo também conquistado pelas mulheres.

Os dados demonstrados na Tabela 2 abaixo contribuem para ilustrar o fato de que, apesar de ser possível identificar uma discrepância de tributação para mulheres que auferem até um salário-mínimo, essa diferença é encontrada em quase todas as faixas salariais. Ainda nas vezes em que o consumo e a renda do homem sejam maiores do que o consumo e renda da mulher, seu perfil de consumo e os rendimentos oferecidos à tributação são diferentes, o que aumenta a tributação suportada pela mulher.

Até mesmo no recebimento de pensão alimentícia para os filhos de pais separados que residem com as mães, incide tributação, enquanto o homem responsável pelo pagamento desta pensão alimentícia tem o valor correspondente deduzido do valor declarado no seu imposto de renda.

Tabela 2 – Alíquota efetiva por faixa de salário mínimo e sexo no Brasil em 2017

Pink Tax - Tabela 2

Fonte dos dados: Receita Federal do Brasil (Brasil, 2017)
Fonte do gráfico: Instituto Justiça Fiscal

É possível ainda constatar a desigualdade de gênero estampada nos preços de produtos e serviços preponderantemente usados por mulheres quando um produto feminino, ainda que de mesma composição, marca e finalidade tem o preço mais alto do que o produto masculino, em regra, apenas devido à embalagem rosa ou “tons femininos”.

A percepção de encarecimento dos produtos direcionados às mulheres em relação aos masculinos, apesar de parecer algo abstrato, tem sido comprovada em números. Um estudo de 2018 feito por uma universidade privada de São Paulo identificou que os produtos voltados às mulheres no mercado brasileiro podem ser até 12,3% mais caros do que os destinados ao público masculino. No mesmo sentido, o Departamento de Consumo de Nova York (DCA) publicou uma pesquisa em 2016 apontando que, na categoria de produtos de higiene pessoal, a diferença nos preços chegou a alcançar 13%.

Do ponto de vista dos tributos incidentes sobre o consumo, especificamente quanto aos absorventes íntimos, produto exclusivamente feminino, é estimado que uma mulher gastará, no Brasil, em média, R$ 5.000,00 ao longo da sua vida, sendo que a tributação representa 25% do valor do produto. Essa é uma carga tributária imposta apenas à mulher, uma vez que não há um produto correspondente à necessidade básica masculina. Países como Canadá, Austrália e Índia, reduziram a tributação desses itens, e outros, como o Reino Unido, isentaram as contribuintes do pagamento de impostos no consumo dos itens essenciais à mulher; no mesmo sentido, a Escócia foi o primeiro país no mundo a oferecer absorventes íntimos gratuitamente.

No Brasil, existem duas propostas de lei em tramitação no Congresso Nacional acerca do tema: a PL 4968/2019, que institui o Programa de Fornecimento de Absorventes Higiênicos nas escolas públicas que ofertam anos finais de ensino fundamental e ensino médio e a PL 3085/2019, que prevê isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para os absorventes femininos.

O Projeto de Lei 4968/2019 aguarda, desde setembro de 2019, um parecer da Comissão de Educação (CE), enquanto que o Projeto 3085/2019 aguarda apreciação conclusiva das Comissões de Finanças e Tributação e da Constituição de Justiça e de Cidadania.

De um lado, não restam dúvidas quanto aos efeitos da desigualdade de gênero no país. Por outro, analisando o cenário atual e as conquistas recentes das mulheres, a tendência é que eventual reforma tributária contemple as desigualdades de gênero impostas pela tributação e que, a cada dia mais, haja correspondência nas posições salariais.

Referência

https://ibdt.org.br/RDTA/40-2018/a-tributacao-dos-dividendos-analise-comparativa-da-incidencia-do-imposto-de-renda-das-empresas-no-brasil-com-os-paises-membros-da-ocde/

https://ijf.org.br/wp-content/uploads/2020/07/Artigo-Tributa%C3%A7%C3%A3o-e-G%C3%AAnero.pdf

http://fenafisco.org.br/noticias-fenafisco/item/item/7667-a-desigualdade-de-genero-no-perfil-de-consumo-e-de-tributacao-por-cristina-pereira-vieceli-e-rober-iturriet-avila

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1805614&filename=PL+4968/2019

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1751375

https://oglobo.globo.com/celina/reino-unido-elimina-imposto-sobre-absorventes-para-facilitar-acesso-das-mulheres-aos-produtos-menstruais-24822711

https://www.bbc.com/portuguese/internacional-55076962

Fonte: https://juristas.com.br/2021/05/04/pink-tax

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