Compensação de Ofício

Publicado em: 28/03/2009

Thiago de Alcantara Vitale Ferreira



A compensação é uma das formas de extinção do crédito tributário prevista no artigo 156, inciso II do Código Tributário Nacional, cuja origem é de direito privado. Sua ocorrência se dá quando duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor de obrigações, uma com a outra, operando?se a extinção das quantias até onde essas se compensarem.


O Código Tributário acolheu o instituto, com algumas particularidades, dispondo, em seu art. 170, que: "A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública".


Assim, é conferida à lei ordinária a possibilidade de autorizar a compensação de créditos tributários líquidos e certos, vincendos ou vencidos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública. O exercício desse direito foi autorizado inicialmente pelo art. 66 da lei 8.383, de 1991 e, desde então, o legislador cuidou de editar várias leis que tratassem ou regulassem a compensação. Atualmente a compensação tributária está basicamente regulamentada pelo art. 74, da Lei 9.430/96, com redação dada pelas Leis 10.637/02, 10.833/03 e 11.051/04, cujo caput assim dispõe:


"Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá?lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão".


Esse mesmo diploma legal prevê que cabe à Secretaria da Receita Federal do Brasil disciplinar a compensação tributária, inclusive quanto à fixação de critérios de prioridade para apreciação de processos de restituição e de ressarcimento (art. 74, §14) e, com base nesse dispositivo legal, a Receita Federal editou inúmeras Instruções Normativas (IN) – ato normativo hierarquicamente inferior às leis. Com base nesse dispositivo legal, no dia 31.12.2008, foi publicada a Instrução Normativa 900 da Receita Federal do Brasil, que, ratificando as regulamentações anteriores (artigo 7.º, § 3.º, do Decreto n.º 2.287/86), determina que a autoridade competente da Receita Federal do Brasil, antes de proceder à restituição e ao ressarcimento de tributo, deverá verificar a existência de débito em nome do sujeito passivo no âmbito da RFB e PGFN, ainda que consolidado em qualquer modalidade de parcelamento e, em havendo discordância com tal procedimento, a Unidade da Secretaria da Receita Federal do Brasil reterá o valor da restituição ou ressarcimento até que sejam liquidados os débitos.


Todavia, de plano, podem ser apontadas diversas ilegalidades decorrentes do desrespeito ao Código Tributário Nacional, bem como à Constituição Federal.


Com relação à possibilidade de compensação de ofício com débitos consolidados em parcelamento, há flagrante afronta ao disposto no art. 151, VI do Código Tributário Nacional, pois tais débitos estão, evidentemente, com sua exigibilidade suspensa.


Ora, não se pode considerar o contribuinte em débito enquanto estiver suspensa a exigibilidade do crédito tributário. A existência do "débito" é pressuposto básico de incidência da previsão legal em que se fundamenta a compensação de ofício, para dar respaldo à legalidade do ato administrativo, porém, estando suspensa em sua exigibilidade, não pode ocorrer a compensação de ofício do pretenso débito.


Ademais, a imposição de compensação de créditos com débitos tributários consolidados em parcelamento, negócio jurídico praticado entre o contribuinte e o fisco, com regras pré?estabelecidas para adimplemento do débito tributário, constitui afronta ao princípio da segurança jurídica e moralidade pública, isto porque os tais débitos devem ser pagos de acordo com o que foi estipulado no parcelamento, sendo opção do contribuinte compensar os valores dos créditos tributários a serem restituídos em ou recebê?los em pecúnia.


Destarte, também há afronta ao nosso ordenamento jurídico a possibilidade de retenção do crédito tributário no caso de discordância do contribuinte com a compensação de ofício. À pretexto de viabilizar o exercício do contraditório, a administração tributária criou verdadeiro mecanismo coercitivo de cobrança de débitos, uma vez que retém o valor a ser restituído até que o débito objeto da compensação pretendida pela Receita Federal do Brasil seja quitado.


Não há maior desrespeito à moralidade pública e, em última análise, ao Estado Democrático de Direito, que reter o patrimônio do contribuinte para exercer a cobrança coercitiva de um débito tributário. É defeso ao Estado valerse de meios indiretos de coerção, mediante restrição ao exercício da atividade empresarial, econômica ou profissional, constranger o contribuinte a adimplir obrigações fiscais que sobre ele incidam. Ademais, inexiste motivação ao referido ato administrativo, uma vez que, nem de longe, a retenção de valores pertencentes ao contribuinte, que poderiam ser aplicados em prol da sociedade, atende ao princípio da primazia do interesse público.


Evidentemente, tais disposições limitam demasiadamente aquele que é um direito subjetivo do contribuinte, haja vista que a compensação tributária não é um favor fiscal no qual o fisco é livre para dispor. A compensação, na verdade, a ninguém prejudica ou beneficia, uma vez que em nada acrescenta ou retira do patrimônio de ninguém.


Pelo contrário, apurado crédito pelo contribuinte decorrente de pagamento indevido ou a maior de tributos, a restituição ou a compensação tributária tende a recompor o patrimônio daquele que, de uma forma ou de outra, foi economicamente lesado em benefício do fisco.


Por esse motivo, o contribuinte que se vir obrigado a aceitar a compensação de ofício sob pena de retenção do seu crédito por tempo indeterminado, pode ingressar em juízo contra a ilegalidade de tal ato, a fim de ter liberado o crédito em seu favor, mas corre o risco de ter seu direito sobrestado pelo demorado trâmite da ação judicial, tendo em vista que, com base no art. 170?A do CTN, insculpido na Súmula 212 do STJ, a compensação somente poderá ocorrer após o trânsito em julgado da ação.


Contudo, pode o contribuinte optar por outro caminho, que é a compensação de débitos próprios, vincendos ou vencidos e não declarados ou inscritos. Bom pagador, pode o contribuinte utilizar os créditos que detém perante o Fisco para quitação de débitos gerados pelas suas atividades, bastando que efetive o procedimento previsto pela IN RFB 900 para compensação.


Diante essa compensação, não poderá o Fisco se opor, tendo em vista atingido o espírito da norma, a mens legis, consistente em não devolver dinheiro a contribuinte que possa estar em débito para com os cofres públicos: realizada a compensação por iniciativa do contribuinte são mantidos os valores em cofres públicos e mantido também o direito subjetivo do contribuinte à liquidez de seus créditos tributários.

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