Retaliação aos Estados Unidos pelo não cumprimento de determinações da Organização Mundial do Comércio

Publicado em: 25/11/2009

Alexandre Lira de Oliveira


André Barbosa


João Junqueira Marques


Denis Marcelo Vicente
Assessor em Comércio Exterior



O protecionismo no comércio internacional pode ser materializado por barreiras tarifárias e não tarifárias, que podem ser de natureza sanitária, técnica, entre outras. Também é uma forma de protecionismo a concessão de subsídios a produtores locais que prejudicam a livre concorrência de similares importados de outros países.


No caso do comércio de produtos agrícolas é comum a existência de subsídios, principalmente por parte dos países desenvolvidos, que em alguns casos sustentam produtores que não são competitivos mas que se fazem representar fortemente na política de suas periferias. Inclusive foi esse tipo de situação a principal trava que impediu o avanço de grandes negociações multilaterais, como a Rodada de Doha.


Nessa esteira de subsídios agrícolas, segue o contencioso “Estados Unidos da América (EUA) – Subsídios ao Algodão”, em que esse país foi condenado pelo Órgão de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio (OMC), condenação confirmada pelo Órgão de Apelação, conforme relatório de 21 de março de 2005. A OMC fez recomendações — compulsórias — para que os EUA removessem os efeitos adversos de certos subsídios ou retirassem os subsídios no prazo de seis meses contados da adoção dos relatórios; tornassem suas medidas compatíveis com o Acordo sobre Agricultura e retirassem os subsídios proibidos sem demora. Todavia, e infelizmente, os EUA não cumpriram as recomendações da OMC.


Em 31 de agosto último, após a realização do procedimento de verificação do descumprimento de sua decisão pelos EUA, a OMC autorizou o Brasil a retaliar produtos provenientes dos EUA, pela majoração do Imposto de Importação incidente sobre importações de bens desse país. Essa majoração poderá montar até US$ 450 milhões.


O Conselho de Ministros da Câmara de Comércio Exterior (Camex) instaurou mecanismo de consultas públicas para que, até 30 de novembro, sejam enviadas a este órgão sugestões e comentários à lista de produtos norte americanos passíveis de “penalização”. A primeira listagem, proposta através da Resolução Camex 74/09, foi publicada no Diário Oficial da União em 9 de novembro, e contém 222 itens, sendo que tais produtos somam a quantia de US$ 2,7 bilhões e representam 10,6% de tudo que o Brasil importou dos Estados Unidos em 2008.


Esta listagem serve para nortear as retaliações que deverão chegar a um valor ainda a ser autorizado pela OMC sendo que os produtos sugeridos ainda passarão por decisão dos ministros que integram o Conselho de Ministros da Camex, cuja reunião plenária está prevista para ocorrer em dezembro próximo, oportunidade na qual deverá ser finalizado o procedimento de escolha dos produtos a serem retaliados. Neste ínterim, por mais que não seja beneficiária direta, a primeira interessada, Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (ABRAPA) apoiou a medida, tendo reconhecido que pode haver uma futura mudança na política de subsídios dos Estados Unidos que trará benefícios para os produtores brasileiros.


As manifestações à lista não devem ser feitas diretamente pelos empresários, sendo que estes serão legitimamente representados, posto que a consulta deverá ser respondida, primordialmente, pelas entidades de classe, órgãos estes que deverão se organizar para receberem as sugestões de seus filiados, centralizando a coleta de informações e envio à CAMEX, ou seja, será feita uma consulta preferencialmente de maneira indireta, evitando sobrecarga do sistema e uma maior efetividade das informações.


Uma vez finalizada a listagem e aprovada pela OMC, os produtos nela inclusos poderão ter a alíquota do Imposto de Importação aumentada em até 100%, já a partir de janeiro de 2010, sendo que o governo federal definiu o final deste ano como prazo limite para suas ações no sentido, visando a acelerar o processo.


Cabe lembrar que está é apenas uma primeira etapa das retaliações possíveis aos Estados Unidos, sendo que a Camex já anunciou que estudam efetuar retaliações nas áreas de propriedade intelectual e serviços, vez que a decisão da OMC autoriza o país a retaliar outros US$ 450 milhões nessas áreas, sendo assim concedido um valor total de retaliações próximo a US$ 900 milhões. A questão da retaliação cruzada, no tocante a propriedade intelectual, tem uma importância sistêmica para o mecanismo de solução de controvérsias da OMC e para o Brasil enorme, pois possibilita que a retaliação seja mais eficaz e produza maiores danos aos EUA do que ao país retaliante, sobretudo em vista do poder político e econômico da indústria afetada (p. ex: indústria de cinema, softwares ou farmacêutica).


Portanto cabe aos empresários e executivos de empresas brasileiras se movimentarem e buscarem junto à sua entidade de classe a definição dos produtos a serem impactados, agilizando ao máximo todo o procedimento e efetivando essa tão vitoriosa decisão obtida na Organização Mundial de Comércio. Cumpre ressaltar que é conveniente ao Setor Privado optar pelos produtos que pretendem ver sobretaxados de acordo com a produção nacional, de forma que a proteção excedente gerada pelo aumento do imposto de importação possa servir para impulsionar a indústria domestica.


Convém comentar que embora a retaliação seja a forma prevista na OMC para sancionar os países que descumprem as suas recomendações, a pena imposta pode ser inócua para uma economia gigantesca como a estadunidense, além de distante de recompor o interesse prejudicado, dos exportadores brasileiros ligados ao algodão e prejudicial à própria população brasileira, pois pode gerar aumento de preços ao consumidor. A escolha dos produtos importados a serem retaliados, além objetivar o menor dano à indústria brasileira e ao consumidor, deve afetar setores nos EUA com um dano significativo na perda do mercado brasileiro e uma representatividade de interesses suficientemente poderosa para fazer frente ao “lobby” do algodão, pois só forças internas em conflito modificam uma política interna de subsídios forte.


Se a ferramenta de retaliação for inócua, demonstrará ainda uma certa fragilidade das normas de comércio internacional, que podem ser descumpridas livremente pela maior economia do mundo e não apresentam sanções que estimulem seu cumprimento.

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