Relançamento das Negociações Mercosul – União Européia: revisitando o passado para vislumbrar o futuro

Publicado em: 25/11/2009

André L. R. Barbosa



Volta à tona o tema das negociações Mercosul - União Européia (UE), no caso, a possível retomada dessas negociações. Qualquer negociação de acordo comercial não é simples, sobretudo quando envolve fluxos comerciais e interesses consideráveis como é o caso de um acordo de livre comércio birregional tão complexo como este. Acompanhei de perto as negociações Mercosul-União Européia, pois encontrava-me à época na Assessoria Internacional do Ministro Luiz Fernando Furlan, quando à frente do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Nesse período, presenciei o difícil jogo de malabares, por parte do Brasil, ao negociar em três grandes tabuleiros simultaneamente: ALCA, Mercosul-União Européia e Rodada Doha na OMC. E testemunhei, igualmente, o colapso (ou quase isso) de cada um desses esforços um após o outro: a interrupção definitiva da ALCA, a suspensão indefinida das Negociações Mercosul-União Européia e situação de limbo da Rodada Doha, arrastando-se até o presente, mas com poucos avanços significativos nos últimos anos.


Em particular, as negociações com a União Européia foram duras e tempestuosas, com dificuldades de consolidação de posições negociadoras intra-Mercosul e intra-UE, acusações de quebra de acordos e de retirada de ofertas por ambas as partes, prazos reiteradamente descumpridos. Embora eu deva admitir minha esperada parcialidade de opinião, era fato notório que os negociadores da UE, capitaneados, à época, pelo Comissário para o Comércio Pascal Lamy, abusavam da situação de maior poder econômico europeu como estratégia para impor seus interesses aos países do Mercosul, naturalmente mais frágeis e dependentes da UE do que o contrário.


Havia uma assimetria de motivações políticas evidente dentro de cada bloco. De um lado, empresários e imprensa mercosulinos cobravam e pressionavam com todas as vozes pela concretização de um acordo a quase qualquer custo. De outro, empresários europeus e respectiva imprensa se interessavam apenas marginalmente por uma negociação com uma região remota e não muito conhecida pela maioria dos europeus, em um momento de expansão da UE de 15 para 25 países, ocorrida em meados de 2004, que monopolizava as discussões comerciais internamente. Não menos importante, os 10 países recém-entrados possuíam economias mais parecidas com as dos países do Mercosul e temiam a concorrência no mercado europeu que acabavam de conquistar.


São vários os episódios que denotavam a dificuldade de se chegar a bom termo nas negociações. Lembro-me, por exemplo, de quando, em meados de 2005, a UE condicionou o prosseguimento das negociações à identificação consolidada das melhores ofertas de liberalização apresentadas formalmente pelos blocos até aquele momento. Aparentemente sem maiores implicações para um observador de fora, tal imposição implicava, na verdade em duas consequências: a primeira, mais formal, de que a UE passava a exigir uma metodologia diferente da que vinha sendo adotada e acordada por ambas as partes desde o início das negociações e a segunda, mais substantiva, de que a UE sairia beneficiada nesse novo formato. A UE havia apresentado ofertas escritas menos elaboradas do que aquelas aventadas verbalmente, no curso das reuniões negociadoras. Assim, o novo critério resultaria bem mais vantajoso para a UE, que, consolidando suas melhores ofertas escritas, não apresentaria todas as ofertas lançadas nas mesas de negociação, enquanto o Mercosul, que havia reiteradamente apresentado e retirado ofertas as veria indiscriminadamente reunidas.


Quanto ao conteúdo das negociações propriamente dito, acesso a mercados para os produtos agrícolas sempre foi o interesse exportador prioritário dos países do Mercosul, sobretudo em carnes, lácteos e açúcar, enquanto que, para os europeus, era o acesso a mercados para os produtos industriais, além de serviços (como resseguros e transporte marítimo), indicações geográficas e compras governamentais. As negociações de associação incluíam, também, outros temas complexos, como os de procedimentos aduaneiros, barreiras técnicas, defesa da concorrência e cooperação, salvaguardas, solução de controvérsias, investimentos e diálogo político. Em não poucos desses temas persistiam significativas diferenças entre as partes.


Mas, em geral, os obstáculos maiores para a conclusão do acordo sempre estiveram no campo do acesso a mercados, com acusações mútuas de excesso de protecionismo à indústria, no caso do Mercosul, e aos setores agrícolas, no caso da UE. As ofertas em acesso a mercados foram-se ampliando no curso do processo negociador e atingiram percentagem substancial do comércio birregional, em torno de 90%, tal como preconizado pelas regras da OMC. Porém, ao final, ambas as partes avaliavam as ofertas da outra como insuficientes e desequilibradas para permitir a assinatura final do acordo.


Agora que volta à tona o possível relançamento das negociações Mercosul – UE, os esqueletos do processo negociador interrompido começam a reaparecer. Isso explica a cautela de ambas as partes em se mostrar otimistas com a retomada das conversações, em que pese a perspectiva, sempre presente, de ampliação bilionária do comércio birregional. Durante três dias de reunião em Lisboa, no início deste mês, a conclusão que se extrai é a de que as dificuldades antes existentes permanecem intactas e deverão ser enfrentadas. Apesar da disposição de ambos os lados em buscar uma aproximação, a retomada das negociações dependerá de sinais palpáveis de existência de espaço e disposição para se avançar nas negociações e se concluir um acordo rápido, evitando-se, assim, os desgastes de um novo fracasso.

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