Regras de origem não preferenciais no Brasil

Publicado em: 30/11/2011

Natália Ruschel



Regras de origem são conhecidas e utilizadas há muito tempo por aqueles que estudam e operam na área de comércio exterior. Este artigo comentará, em linhas gerais, a importância das regras de origem não preferenciais e seu início no Brasil por meio das políticas comerciais que vem sendo implementadas pelo governo.


Na maioria das vezes, o estudo e a utilização das regras de origem estão ligados à busca pela redução ou dispensa de pagamento do Imposto de Importação nas relações comerciais internacionais (importação, exportação ou instalação de indústrias em determinado país). Porém, esta é apenas uma face das regras de origem, chamadas de regras "preferenciais" [1]. Existem outras regras de origem, chamadas "não preferenciais", que também são muito importantes, mas até então menos conhecidas e utilizadas no Brasil. As regras não preferenciais determinam critérios para definir a origem de um produto que terá tratamento diferenciado em questões comerciais, administrativas e regulamentações internas de um país, como a aplicação de medidas antidumping, salvaguardas e direitos compensatórios, investigações de origem, marcações de origem, controle de normas técnicas, sanitárias e fitossanitárias, quotas, compras governamentais, entre outras.[2]


Até a publicação da Resolução CAMEX 80/2010, em 09 de novembro de 2010, não havia norma sobre regras de origem não preferenciais no Brasil, sendo utilizados apenas requisitos de índice mínimo de nacionalização específicos para produtos a serem beneficiados por programas nacionais, como, por exemplo, as linhas de financiamento do BNDES para máquinas e equipamentos [3]. A partir da Resolução CAMEX 80/2010, regulamentada pela Portaria SECEX 39/2011, em 11 de novembro de 2011, o Brasil deu início ao importante instrumento para a consecução de políticas comerciais nacionais: regras de origem não preferenciais. Em seguida, dia 18 de novembro de 2011, houve a publicação da Portaria 219/2011 [4], que dispõe sobre o regime de origem para compras governamentais.


O principal fator motivador para a regulamentação de regras de origem não preferenciais foi a implementação do "Plano Brasil Maior"(Plano). O Plano é uma política nacional que visa, entre outras finalidades, a defesa da indústria nacional e do mercado interno, bem como a defesa comercial do Brasil. Para tanto, foram tomadas medidas de incentivo à agregação de valor local e ao aumento da produção, as quais são fundadas no tratamento diferenciado aos produtos nacionais. Ou seja, a identificação do que é um produto brasileiro se faz necessária para a aplicação destas medidas do governo de estímulo à indústria nacional. Da mesma forma, a identificação do país de origem das mercadorias estrangeiras importadas pelo Brasil é necessária quando se trata de defesa comercial, por exemplo, para o controle e fiscalização de mercadorias sujeitas a medidas antidumping, salvaguarda e direitos compensatórios. Daí a formulação e intensificação do uso de regras de origem não preferenciais no Brasil em sinergia com o Plano Brasil Maior. Sem regras de origem bem definidas, não há como criar políticas comerciais efetivas que realmente beneficiem produtos genuinamente brasileiros ou que defendam o mercado interno de práticas comerciais desleais.


Neste contexto, a Resolução CAMEX 80/2010, conforme sua ementa, "dispõe sobre a aplicação das regras de origem não preferenciais, de que tratam o art. 9° do Decreto n° 37, de 18 de novembro de 1966, e o Acordo sobre Regras de Origem da OMC." [5] O texto fixa critérios e parâmetros para definir o país de origem de uma mercadoria, os quais podem ser: (1) o país onde a mercadoria foi produzida (totalmente obtida ou elaborada integralmente em um país, utilizando materiais exclusivamente dele originários); ou (2) o país onde a mercadoria sofreu transformação substancial (mudança de posição tarifária na classificação do Sistema Harmonizado).


Em complemento à Resolução CAMEX, a Portaria SECEX 39/2011 dispõe sobre "procedimento especial de verificação de origem não preferencial para fins de aplicação do disposto no art. 3º da Resolução CAMEX nº 80, de 9 de novembro de 2010", regulamentando o procedimento de investigação de origem, para que haja o controle e fiscalização das mercadorias importadas. Estas normas são essenciais para evitar fraudes de origem por operadores econômicos que exportam para o Brasil ou que importam no Brasil mercadorias que não preenchem os requisitos de origem. Pode haver casos de falsa origem declarada na licença de importação, como em casos de "triangulação", na tentativa de desviar a mercadoria da aplicação de medidas de defesa comercial ou de fiscalizações relacionadas à sua origem, por exemplo, quotas e restrições sanitárias ou fitossanitárias.


Além destas, outras regras de origem foram estipuladas pela Portaria 219/2011, recentemente promulgada pelo Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Sr. Fernando Pimentel. A Portaria 219/2011 dispõe sobre o regime de origem para compras governamentais, fixando critérios de origem para definir quando um produto será considerado nacional (originário do Brasil). A definição da origem servirá para efeitos da aplicação da margem de preferência de 25% aos produtos nacionais sobre os produtos importados nos procedimentos de compras governamentais, conforme o disposto no Decreto 7.546, de 2 de agosto de 2011 [6]. Além dos critérios de origem, a Portaria determina a obrigação da apresentação de Declaração de Origem dos produtos e cita a possibilidade de verificação e comprovação da origem dos produtos por parte das autoridades.


Vale ressaltar que a Portaria SECEX 39/2011 e a Portaria 219/2011 não foram aplicadas em um caso concreto até a data de publicação deste artigo. Portanto, resta aos operadores econômicos e produtores nacionais ficarem atentos às possibilidades de aplicação destas normas ao seu próprio negócio e se planejarem para fazer adequado uso delas em seu benefício.


Considerando o exposto, é certo que as regras de origem são importante instrumento para a execução de políticas comerciais a serviço do interesse nacional. Contudo, sua utilização deve respeitar as diretrizes do Acordo sobre Regras de Origem, da OMC, primando pela harmonização, transparência e previsibilidade. Ademais, a complexidade e a finalidade dos regimes de origem não podem ser subestimadas, nem sua importância ser limitada aos interesses individuais de determinadas indústrias. A regulamentação de regimes de origem não preferenciais deve atender ao desenvolvimento econômico do Brasil como um todo, sem perder de vista o papel fundamental da concorrência de mercado e de medidas complementares para estimular a competitividade, inovação e o investimento em pesquisa e desenvolvimento para produtos nacionais.

 

 



[1] Regras de origem preferenciais são disposições que determinam critérios para que uma mercadoria seja considerada originária de um país e, consequentemente, receba tratamento tarifário preferencial (dispensa ou redução do pagamento do imposto de importação ou, ainda, distribuição de quotas tarifárias). Estas regras podem estar previstas em acordos regionais de cooperação econômica ou de união aduaneira (p.ex.: Mercosul, ACE 02, ACE 55, NAFTA, União Europeia), bem como podem estar baseadas em regimes unilaterais de benefícios tarifários, como o SGP e o SGPC. Fonte: http://www.mdic.gov.br//sitio/interna/interna.php?area=5&menu=514&refr=406. Para mais detalhes sobre regras de origem preferenciais, em especial sobre o setor automotivo, consultar o artigo "Regras de origem no setor automotivo: Mercosul, Nafta e União Europeia", publicado na revista Sem Fronteiras, Editora Aduaneiras, Ed. março/2010. Acesso possível pelo site da Lira e Associados, no link: https://liraatlaw.com/index.php?option=com_content&view=article&id=121%3Aregras-de-origem-no-setor-automotivo-mercosul-nafta-e-uniao-europeia&catid=2%3Aartigos&Itemid=13&lang=pt


[2] Geralmente fixam critérios de transformação substancial (mudança de posição na classificação tarifária) e/ou índice percentual mínimo de conteúdo regional no produto que irá obter preferência tarifária.


[3] As "Instruções para Credenciamento de Fabricantes" do Finame impõem, entre outros, o requisito de índice de nacionalização mínimo de 60% para que os produtos sejam passíveis de financiamento. Fonte: http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Ferramentas_e_Normas/Credenciamento_de_Equipamentos/ cadastok.html


[4] Republicada no DOU em 23 de novembro de 2011, como Portaria 279/2011.


[5] Diversos países se utilizam de regras de origem não preferenciais para a implementação de políticas comerciais. Estas normas são nacionais, estipuladas de forma independente por cada país e para aplicação nas relações comerciais em seu território. No entanto, a Organização Mundial do Comércio (OMC), por meio do Acordo sobre Regras de Origem de 1995, na Rodada Uruguai, determina princípios e obrigações mínimas que devem ser respeitados pelos países membros da OMC quando da elaboração e aplicação de suas regras de origem não preferenciais.


[6] O Decreto 7.546/2011 admite a possibilidade de que produtos e serviços brasileiros tenham preferência na contratação por meio de processos licitatórios (compras governamentais), ainda que seu preço seja até 25% mais caro do que os produtos e serviços estrangeiros. Observa-se que a Portaria 219/2011 regula apenas "produtos", não havendo regras de origem para "serviços".

Nós usamos cookies e para melhorar a sua experiência em nossos serviços, personalizar publicidade e recomendar conteúdo de seu interesse. Ao continuar navegando, você concorda com nossa Política de Privacidade
Fechar