“Falsa declaração” de conteúdo importado

Publicado em: 29/04/2014

Diego Joaquim

Paulo Eduardo Mansin

 

Não causa surpresa se deparar com a lavratura de Autos de Infração por parte da Receita Federal do Brasil aplicando a pena de perdimento de mercadoria importada a pretexto de falsa declaração de conteúdo fundamentada, exclusivamente, no texto do artigo 689, XII, do Regulamento Aduaneiro[1] e, também, impondo a responsabilização para fins penais.

A falsa declaração de conteúdo pode ser interpretada como a simulação do importador com a finalidade de dissimular a ocorrência da obrigação tributária e reduzir sua carga tributária. Entretanto, a prática deste ilícito não é presumível, devendo ser evidente.

Uma vez evidenciada a conduta, como primeira consequência, temos a aplicação da penalidade de perdimento às mercadorias importadas, nos termos do art. 689 do RA, sendo que, como condição legal para sua aplicação temos necessária a comprovação do dano ao Erário causado pelo procedimento do importador.

Nesse sentido, o entendimento do Tribunal Regional Federal da 3ª Região e do Superior Tribunal de Justiça:

 

ADUANEIRO. PENA DE PERDIMENTO.FALSA DECLARAÇÃO DE CONTEÚDO. AUSÊNCIA DE INTUITO DE BURLAR A FISCALIZAÇÃO ADUANEIRA. PENA DE PERDIMENTO AFASTADA. SENTENÇA MANTIDA. REMESSA OFICIAL NÃO PROVIDA.

1. A impetrante informou a autoridade aduaneira deter na embarcação 297 unidades de cargas cheias e 2 vazias, todas para descarga. Contudo, foi verificado pela fiscalização se tratar de um total de 299 unidades de carga, sendo que 17 estavam irregulares. Destas, 15 foram encontradas vazias e 2 cheias sendo que, destas cheias, uma é objeto do presente mandamus.

2. Ocorre que, in casu, a conferência física dos contêineres se deu como conseqüência de pedido protocolizado pela própria impetrante, conforme se extrai das informações prestadas pela autoridade impetrada.

3. A atitude tomada pela impetrante não condiz com a intenção de burlar a fiscalização aduaneira, impossibilitando concluir ter agido de má-fé. Assim, ante a ausência de dolo para fraudar o Fisco, é medida razoável interpretar o fato como mero equívoco, passível de ser corrigido ainda que extemporaneamente com a apresentação dos documentos pertinentes, o que observa-se ter acontecido nestes autos.

4. O disposto no artigo 501, parágrafo único, do Regulamento Aduaneiro prevê que as penas de perdimento decorrem de infrações consideradas dano ao Erário, o que não se vislumbra ter ocorrido na hipótese.(...) (grifo nosso) (Reexame Necessário Cível Nº 0008443-73.1999.4.03.6104/SP; Relatora Desembargadora Federal Marli Ferreira. Publicado em 23/02/2011).

A pena de perdimento, inobstante ter natureza de sanção; pelos critérios legais é imposta para ressarcimento do erário pelos danos causados, inteligência do artigo 23 do Decreto 1455/76. Ocorre, porém, que "danos" inexistem, razão pela qual se mostra dessarazoada a aplicação da pena imposta. Afinal — é necessário admitir — que em certas circunstâncias não perfiguram 'dano ao erário'. Assim, salvo que se admita uma ficção jurídica plena, pela qual o legislador simplesmente dita a hipótese infracional sem embargo de sua existência no plano concreto, a aplicação do perdimento será tecnicamente imprópria.”

 

Sem se desincumbir do seu ônus, a administração pública, na grande maioria das vezes, aponta, de forma genérica, o ‘objetivo da redução da carga tributária’ como dano configurado ou, senão, eventual falta de correspondência entre os documentos instrutivos do despacho aduaneiro com a mercadoria importada, sua quantidade ou características.

 

Conforme jurisprudências citadas acima, à administração pública cabe mais do que isso, a mesma deve comprovar o dolo e o dano da conduta do importador, o que não é usualmente observado.

Como segunda consequência, temos a responsabilização para fins penais, ou seja, após a lavratura do Auto de Infração para a aplicação da pena de perdimento da mercadoria importada, haverá, também, a formalização de Representação Fiscal para fins penais, por meio do qual a Receita Federal, após decisão final administrativa, encaminha os autos à Polícia Federal para que se dê início às investigações de crime.

Com relação a tipificação do crime, o importador é normalmente indiciado pela prática do crime previsto no artigo 299 do Código Penal, Falsidade Ideológica, pois a administração pública entende que embora os documentos apresentados à fiscalização sejam verdadeiros, o seu conteúdo representa uma distorção da realidade.

Entretanto, há legislação específica que se sobrepõe ao tipo penal do artigo 299, a Lei 8.137/90, que define crimes contra a ordem tributária, econômica e contras as relações de consumo.

Deve prevalecer o princípio da especialidade, eis que esse crime é tipificado como norma especial em relação ao crime de falsidade ideológica, onde é levado em consideração a vontade de omitir informações do fisco. A jurisprudência do STJ é nesse sentido:

 

RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL E DELITO CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. PRESTAR INFORMAÇÃO FALSA EM OPERAÇÃO DE CÂMBIO. SUBFATURAMENTO DE EXPORTAÇÕES. CONDUTAS PRATICADAS COM A FINALIDADE DE REDUÇÃO DA CARGA TRIBUTÁRIA. PRINCÍPIOS DA CONSUNÇÃO E DA ESPECIALIDADE. APLICAÇÃO. RECURSO DESPROVIDO.

1. Conforme o quadro fático delineado no acórdão hostilizado, o crime contra o Sistema Financeiro Nacional, consistente em prestar informação falsa em operação de câmbio – crime meio – foi praticado para efetivar o pretendido crime de sonegação fiscal – crime fim –, localizando-se na mesma linha de desdobramento causal de lesão ao bem jurídico, integrando, assim, o iter criminis do delito-fim. Restou comprovado que as ações estavam unidas por um único contexto, isto é, o sistema de subfaturamente de exportações.

2. Constatado que os Recorridos apresentaram valores inverídicos às autoridades públicas com o fim único e específico de reduzir a carga tributária incidente sobre suas exportações, visando, exclusivamente, à sonegação de tributos, e que a lesividade da conduta não transcendeu o crime fiscal, incide, na espécie, mutatis mutandis, o comando do Enunciado n.º 17 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, ad litteram: "Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido".

3. No contexto em que o crime de sonegação fiscal foi praticado, as falsidades documentais não podem ser punidas de forma autônoma, ainda pela aplicação do princípio da especialidade, tendo em vista que os incisos do art. 1.º da Lei n.º 8.137/90 as constituíram como elementos essenciais desse crime complexo.

4. Recurso desprovido.

Considerando o exposto, concluímos que o crime de falsidade ideológica, como resultado da aplicação da pena de perdimento da mercadoria por conta da falsa declaração de conteúdo, deve ser apurado de forma que seja comprovado o dolo do importador em prejudicar o Erário, eis que não existe a modalidade culposa do delito e, ainda, considerando o entrelaço do direito penal e aduaneiro, entendemos que a prática de crime é subsidiária ao perdimento, e que, se não comprovado o dolo, é discutível.



[1]Decreto nº 6.759/2009, artigo 689. “Aplica-se a pena de perdimento da mercadoria nas seguintes hipóteses, por configurarem dano ao Erário: [..]XII - estrangeira, chegada ao País com falsa declaração de conteúdo

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