Ex-tarifário em nacionalização de admissão temporária para utilização econômica

Publicado em: 17/10/2009

É possível aplicar um ex-tarifário na nacionalização de mercadoria admitida em Regime especial de Admissão Temporária para Utilização Econômica, quando a publicação do ex-tarifário é posterior à admissão do bem no regime temporário? Essa é uma pergunta constante no meio aduaneiro.


A resposta para a questão sempre foi positiva. Com base no fundamento legal da hipótese de incidência do imposto de importação, veiculado pelo Decreto-Lei 37/66 e no artigo 327 do Regulamento Aduaneiro (RA) anterior — aprovado pelo Decreto 4.345/02 e revogado pelo atual Regulamento — o procedimento nunca trouxe dúvidas interpretativas. Senão vejamos o dispositivo do antigo RA:


Art. 327. No caso de extinção da aplicação do regime mediante despacho para consumo, os impostos referidos no art. 324 serão calculados com base na legislação vigente à data do registro da correspondente declaração e cobrados proporcionalmente ao prazo restante da vida útil do bem.


A dúvida surgiu a partir da publicação do novo RA — aprovado pelo Decreto 6.759/09 — que trouxe redação que poderia ser interpretada de forma a mudar diametralmente o sentido do mandamento, sem que houvesse mudança no fundamento legal que isso autorizasse. Vejamos o artigo dispositivo 375 do RA atual, que substitui o 327 do anterior:


Art. 375. No caso de extinção da aplicação do regime mediante despacho para consumo, os tributos originalmente devidos deverão ser recolhidos deduzido o montante já pago.


Pela introdução vê-se a complexidade da discussão. Nesse artigo analisaremos a questão, para ao final sugerir uma interpretação juridicamente válida ao artigo 375 do RA vigente, isto é, que seja adequada ao fundamento de validade do imposto de importação, que é o Decreto-Lei 37/66.



Da admissão temporária para utilização econômica


A admissão temporária para utilização econômica é regime aduaneiro especial estabelecido no artigo 79 da Lei 9430/96, regulamentado pelos artigos 353 e seguintes do Regulamento Aduaneiro, aprovado pelo Decreto 6.759/09. Várias as modalidade de admissão temporária. Trataremos especificamente da modalidade de admissão temporária para utilização econômica (a partir de agora citada apenas como admissão temporária).


Esta modalidade de admissão tem prazo determinado de duração (temporária), de acordo com o documento apresentado à Receita Federal do Brasil (RFB) que comprove a relação do exportador e do importador com a mercadoria e a sua finalidade de utilização para prestação de serviços ou produção de bens (artigos 373 e 374 do RA). O RA determina, ainda, que deve ser firmado Termo de Responsabilidade, momento em que o crédito tributário é constituído, formalizando o compromisso do importador com o pagamento integral dos tributos e acréscimos legais caso haja descumprimento do regime (art. 311 e 369 do RA), sem prejuízo das multas cabíveis.


O regime de admissão temporária pode ser extinto, com a devida baixa do Termo de Responsabilidade, por meio da reexportação, destruição, transferência para outro regime especial, ou despacho para consumo, se nacionalizado o bem (artigos 367 e 378 do RA).


Da consequente nacionalização


Tendo uma empresa importado o equipamento em admissão temporária e posteriormente decidido ficar com o bem definitivamente, deve providenciar a nacionalização do bem, extinguindo o regime de admissão temporária, com o registro da DI de despacho para consumo do mesmo.


O ponto que gera dúvidas é saber exatamente qual fato gerador do Imposto de Importação na nacionalização. É o fato gerador ocorrido na admissão do bem, cuja incidência ficou suspensa pelo regime aduaneiro especial? Ou há novo fato gerador, ocorrido na nacionalização do bem, que concomitantemente extingue o regime de admissão temporária e resolve a suspensão pelo cumprimento da condição resolutiva do regime? Deve ser considerada a alíquota vigente no momento do registro da antiga declaração de admissão ou da DI de despacho para consumo? E a taxa de câmbio?


O elemento material da hipótese de incidência do imposto de importação é a entrada de mercadoria estrangeira no território aduaneiro (art. 72 do RA). Ou seja, ainda que a mercadoria entre na forma de admissão temporária, ocorre o fato gerador. Contudo, pelo regime especial, há uma condição favorecida para o pagamento do imposto de importação nessa hipótese, veiculada pelo art. 79 da Lei 9.430, que permite ao importador pagar o valor do imposto proporcionalmente ao período em que a mercadoria permanecerá no país.



Conforme o art. 73 do Regulamento Aduaneiro, no registro da DI para consumo, materializa-se a hipótese de incidência do imposto de importação, com a ocorrência do fato gerador. Conforme o parágrafo único desse artigo, ocorrerá o fato gerador “inclusive, no caso de despacho para consumo de mercadoria sob regime suspensivo de tributação”, que é o caso da admissão temporária. Vejamos:


Art. 73. Para efeito de cálculo do imposto, considera-se ocorrido o fato gerador (Decreto-Lei no 37, de 1966, art. 23, caput e parágrafo único):


I - na data do registro da declaração de importação de mercadoria submetida a despacho para consumo;


Parágrafo único. O disposto no inciso I aplica-se, inclusive, no caso de despacho para consumo de mercadoria sob regime suspensivo de tributação, e de mercadoria contida em remessa postal internacional ou conduzida por viajante, sujeita ao regime de importação comum.


A ocorrência de novo fato gerador é possível, já que extinto o regime de admissão temporária, pelo cumprimento da sua condição resolutiva, que é a nacionalização. A DI de nacionalização resultará em novo fato gerador, previsto no artigo 77 do Decreto-Lei 37/66, cujo aspecto material da hipótese de incidência tributária ocorre na data de registro dessa declaração.


Analisemos o termo “posteriormente” no mandamento legal, esse vocábulo elimina qualquer dúvida quanto à ocorrência dos dois fatos geradores, o primeiro na admissão temporária e o segundo na nacionalização do bem:


Art.77 - Os bens importados sob o regime de admissão temporária poderão ser despachados, posteriormente, para consumo, mediante cumprimento prévio das exigências legais e regulamentares.

O art. 23 do Decreto-Lei 37/66 determina que o aspecto temporal da hipótese de incidência do imposto é o momento do registro da declaração prevista no art. 44 do mesmo diploma. No art. 44 encontramos diversos tipos de declarações, aplicáveis a diversas hipóteses distintas, que servem de marco temporal para a incidência do II. No caso da nacionalização de bem anteriormente admitido, o tipo de declaração a que o art. 23 faz referência é a declaração de importação registrada pela nacionalização. Essa a interpretação sistemática autorizada pelo conjunto de mandamentos jurídicos presentes.

Dessa forma, para cálculo do imposto de importação na nacionalização do bem, não deverá ser considerado o crédito constituído no Termo de Responsabilidade, pois como o próprio nome diz, é um termo que responsabiliza o importador em caso de descumprimento do regime especial de admissão temporária. O descumprimento do regime especial é diferente de sua extinção regular por meio da nacionalização ou de outra alternativa permitida no art. 367 do RA, por isso, os tributos a serem pagos são diferentes para cada uma das duas circunstâncias.

Não outro é o entendimento de nossa jurisprudência, conforme verificamos abaixo no julgado do então Terceiro Conselho de Contribuintes:



Número do Recurso: 119395

Câmara: TERCEIRA CÂMARA

Número do Processo: 10715.000521/93-64

Tipo do Recurso: VOLUNTÁRIO

Matéria: ADMISSÃO TEMPORÁRIA

Recorrida/Interessado: DRJ-RIO DE JANEIRO/RJ

Data da Sessão: 12/11/1998 01:00:00

Relator: MANOEL DASSUNCAO FERREIRA GOMES

Decisão: Acórdão 303-29031

Resultado: DPU - DADO PROVIMENTO POR UNANIMIDADE

Texto da Decisão: Por unanimidade de votos, deu-se provimento ao recurso voluntário.

Ementa: ADMISSÃO TEMPORÁRIA. NACIONALIZAÇÃO. FATO GERADOR. O fato gerador para fins de recolhimento do I.I, em se tratando de mercadorias importadas em regime especial de admissão temporária, é o registro da DI, objetivando o despacho para consumo. O valor da mercadoria a ser estipulado será o valor da época do despacho.

Recurso voluntário provido.



Conclusão


Ao ser efetivada a nacionalização, o regime especial é extinto e simultaneamente novo crédito tributário é constituído quando do registro da DI para consumo, utilizando as alíquotas vigentes no momento da nacionalização, inclusive os ex-tarifários.


O cálculo do novo crédito tributário não tem relação com o crédito anterior, uma vez que não mais se trata de admissão temporária e que o regime foi cumprido e extinto. Apenas devem ser descontados do novo valor calculado dos tributos os valores proporcionais já pagos referentes ao período da admissão temporária (art. 375 do RA).


Para que esse dispositivo — artigo 375 do RA — possa ser interpretado validamente — em conformidade aos artigos 23, 44 e 77 do Decreto-Lei 37/66, que são seus fundamentos de validade — é necessária a aplicação de solução hermenêutica.

Para que o artigo 375 do RA não contrarie seus fundamentos de validade e se torne por isso inválido por ser ilegal, temos que ter atenção especial ao mandamento “tributos originalmente devidos deverão ser recolhidos deduzido o montante já pago”.


A expressão “tributos originalmente devidos” reporta-se às espécies tributária que são devidas no momento da ocorrência do novo fato gerador — imposto de importação, IPI, PIS e Cofins e ICMS ­— que haviam ficado suspensas com o regime especial. Em nenhum momento o dispositivo afirma que estes “tributos originalmente devidos” seriam calculados pelas alíquotas e taxa de câmbio do momento da declaração de admissão ­— porque não poderia, já que o fato gerador se reporta às alíquotas vigentes no momento de sua ocorrência, que é o registro da DI de consumo.


Essa interpretação é a correta e é a única capaz de manter a validade do dispositivo, em exercício de “interpretação conforme a constituição”[1], conforme a orientação do Supremo Tribunal Federal.

Ressalta-se que parte da fiscalização tem entendido de forma diversa, alegando que o valor a ser pago no momento da nacionalização do bem em admissão temporária deverá ser aquele constante do Termo de Responsabilidade, sem a possibilidade de aplicação de exceções tarifárias publicadas após o registro da DI de admissão. Esse entendimento torna a operação do contribuinte mais onerosa.


Os esclarecimentos aqui expostos não são de interpretação uniforme e podem ser ignorados pela fiscalização. Para não correr riscos e não pagar multas ou tributos a maior do que o devido, a empresa interessada deve cercar-se das providências cabíveis para prevenir-se e resguardar seus direitos durante e após suas operações.



Natália Semeria Ruschel

Advogada especialista em comércio exterior e mestranda em Direito Internacional

Alexandre Lira de Oliveira

Advogado especialista em Tributação e Comércio Exterior





[1] A interpretação conforme a Constituição determina que, quando o aplicador de determinado texto legal se encontrar frente a normas de caráter polissêmico ou, até mesmo, plurissignificativo, deve priorizar a interpretação que possua um sentido em conformidade com a Constituição. Por conseguinte, uma lei não pode ser declarada nula quando puder ser interpretada em consonância com o texto constitucional.

A interpretação conforme a Constituição pode ter lugar também quando um conteúdo ambíguo e indeterminado de uma norma resultar coerente graças ao conteúdo da Constituição.

Suxberger, Antonio Henrique Graciano. Interpretação conforme a Constituição. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=133. Acesso em: 11/set/2009.



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