Defesa de exportações brasileiras em face de medidas antidumping no destino

Publicado em: 25/11/2009

Natalia Semeria Ruschel



Após a conclusão do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT 1947) e a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC) em 1995, os países vêm reduzindo significativamente as suas barreiras tarifárias em prol da conclamada liberalização comercial. No entanto, a fim de garantir um mecanismo de defesa contra a concorrência desleal e manter uma margem mínima de interferência no mercado, as partes contratantes do acordo multilateral institucionalizaram medidas de defesa comercial, entre elas as medidas antidumping. O uso das medidas antidumping vem crescendo consideravelmente; sua utilização, antes concentrada nos países desenvolvidos, foi disseminada entre os países em desenvolvimento. O Brasil está entre os dez países que mais faz uso de medidas antidumping e também entre os dez países que mais sofrem imposições destas medidas.


O objetivo deste artigo é alertar a indústria nacional sobre as questões envolvidas nas medidas antidumping e incentivar os exportadores brasileiros a acompanhar e tomar conhecimento das regulamentações internacionais no intuito de se capacitarem para a defesa em investigações e análise dos impactos diretos e indiretos da imposição de eventuais medidas. Primeiramente será dado um panorama histórico comentando a redução significativa das barreiras tarifárias e a regulamentação das medidas de defesa comercial. Em seguida, será feita uma breve análise deste histórico sugerindo uma relação entre a redução das tarifas e o aumento significativo da utilização das medidas antidumping. Por último, um breve comentário sobre o impacto geral destas medidas nas indústrias exportadoras brasileiras, concluindo com a importância do acompanhamento por parte da indústria nacional das medidas impostas aos produtos brasileiros como um todo.


Desde o acordo multilateral do GATT 1947, os países vêm negociando reduções tarifárias em nome da liberalização comercial. Em 1995, com o estabelecimento da OMC por meio do Acordo de Marrakesh, os países intensificaram suas relações e demonstraram sua intenção em cooperar para a liberalização do comércio internacional. As formas de redução das tarifas foram além das negociações e passaram a ser adotadas voluntária e unilateralmente por diversos países que conduziram a abertura gradativa de seu mercado nacional durante os anos noventa até o momento.


Na mesma Rodada do Uruguai em abril de 1994, as partes contratantes do GATT 1947 assinaram o Acordo de Implementação do artigo VI do GATT 1994, o qual prevê as regras para a aplicação de medidas antidumping. As medidas antidumping, em conjunto com as demais defesas comerciais, foram constituídas como uma garantia contra os riscos da concorrência desleal, de maneira que os governos tenham controle sobre determinadas importações que ameaçam os produtores domésticos ao serem vendidas neste mercado por um preço abaixo do valor normal do mercado do país exportador. Os países menos desenvolvidos e em desenvolvimento que ainda não possuíam regulamentação na área foram incentivados regulamentá-la, prevendo procedimentos de iniciação e curso das investigações, bem como o cálculo e aplicação das medidas e a prova do dano. Assim, as medidas antidumping que eram amplamente utilizadas pelos EUA e pelos países da União Européia (UE), foram disseminadas entre os países menos desenvolvidos e em desenvolvimento.


Enquanto o apelo à cooperação e liberalização comercial de um lado resulta na redução das barreiras tarifárias, de outro lado, o aumento das investigações e aplicações de medidas antidumping demonstra certa tendência ao protecionismo exacerbado, por meio da utilização, muitas vezes inadequada, destas medidas. A medida antidumping deve ser o ponto de equilíbrio entre a liberalização comercial internacional e a proteção dos mercados nacionais. A questão é saber quando e como utilizar esta medida protetiva, de forma que não seja negativamente discriminatória nem abusiva, respeitando os limites propostos pela OMC.


Conforme mencionado em parágrafo anterior, cada Membro possui a sua própria regulamentação sobre os procedimentos das medidas antidumping, portanto, ainda que haja orientações gerais da OMC para a implementação da medida, existe espaço para discricionariedade dos governos. Respeitadas as previsões mínimas do Acordo de Implementação do artigo VI do GATT 1994, os procedimentos podem variar nos requisitos de início da investigação, nos prazos para prestação de informação e defesa, na consideração das informações prestadas, nos métodos de cálculo do valor normal e da margem de dumping e na razoabilidade da taxa aplicada ao produto importado.


Os procedimentos que historicamente oferecem menos condições de defesa aos exportadores são os dos EUA e da União Européia (UE).[1] Ao contrário destes procedimentos, o Brasil possui regulamentação clara, com maiores oportunidades de defesa aos exportadores, requisitos mais estritos para iniciação de investigação e menor discricionariedade dos agentes investigadores. Portanto, ainda que o Brasil esteja entre os dez países que mais iniciam investigações antidumping, estas são avaliadas com critérios objetivos, de forma transparente e dando ampla defesa aos exportadores, evitando a aplicação de tarifas abusivas ou que distorçam a finalidade original da medida antidumping. A Câmara de Comércio Exterior também avalia sob a perspectiva do interesse nacional as medidas sugeridas pelo Departamento de Defesa Comercial e pode, como já o fez, reduzir ou suspender a medida caso seja contrária ao interesse nacional.[2]

No entanto, o Brasil tem sido um dos principais alvos de medidas antidumping nestes últimos anos. No último dia 06.10.2009, por exemplo, a União Européia impôs medida antidumping definitiva para papel alumínio originário do Brasil, Armênia e China.[3]


Em decorrência da limitada atuação dos governos por meio de tarifas, tendo em vista os compromissos para redução em acordos regionais e multilaterais, os países têm utilizado barreiras não tarifárias como método substitutivo para interferir no fluxo do comércio internacional de forma a proteger seus interesses defensivos. As barreiras não tarifárias vêm despertando maior atenção dos governos nas relações comerciais, e as medidas antidumping, por sua vez, quando aplicadas fora dos padrões estipulados pela OMC, podem ser consideradas como uma barreira alternativa. Lembrando que há um grande estímulo nesta época de crise para que os governos utilizem as medidas antidumping de forma abusiva para proteger os produtores nacionais da competitividade de produtos externos.


Sendo assim, é imprescindível que as indústrias exportadoras brasileiras tomem conhecimento desta realidade e acompanhem cuidadosamente possíveis investigações sobre seus produtos ou mesmo sobre produtos de setores que tenham impacto direto ou indireto em sua indústria, para que possam defendê-la com propriedade, evitando prejuízos decorrentes de medidas infundadas ou abusivas com base em informações aleatórias e não condizentes com a realidade em particular de cada exportador. Importante frisar que a entidade investigadora pode utilizar a melhor informação disponível [4] caso o exportador não coopere com documentos e detalhes no preenchimento do questionário.


Os questionários recebidos pelos exportadores investigados são extensos e requerem informações detalhadas e documentos que na maioria das vezes encontram-se segmentados em diferentes departamentos da empresa, ou encontram-se na posse de fornecedores e prestadores de serviço do exportador. O preenchimento do questionário demanda tempo o prazo é relativamente curto (conforme quadro acima). Assim, a qualidade das informações e documentação é responsabilidade do exportador; o prejuízo pode ser grande se as informações estiverem incompletas ou equivocadas, resultando na aplicação de altas tarifas para as importações de seus produtos naquele país. É o que acontece muitas vezes, por exemplo, com os exportadores investigados pelos EUA [5] e pela União Européia.[6]


Os efeitos das medidas antidumping às indústrias exportadoras brasileiras são os mais variados e difusos. Inúmeros fatores políticos e econômicos, externos e internos à indústria e ao mercado nacional, afetam cada exportador brasileiro de uma maneira distinta. Dessa forma, não será avaliada aqui a dimensão exata dos prejuízos, mas sim as possíveis conseqüências gerais das medidas às indústrias exportadoras brasileiras diretamente afetadas. Insta observar que, mesmo sendo temporárias (em geral 5 anos, prorrogáveis por mais 5 anos), as medidas antidumping impactam a indústria exportadora do produto tarifado no curto prazo.


Primeiramente, ao se deparar com a imposição de uma medida antidumping sobre o seu produto em determinado país, o exportador tende a redirecionar parte de suas exportações que antes eram destinadas a este país para um terceiro país, no qual possa manter o nível de competitividade de seu produto. Além da redução nas vendas para o país que impôs a medida de antidumping (em decorrência do aumento do custo para o importador), o exportador terá que investir tempo e capital na reestruturação de parte de sua operação a fim de analisar as possibilidades de redirecionamento de suas exportações.


Outra possível conseqüência à indústria exportadora brasileira, caso esta não seja capaz de redirecionar suas exportações de maneira eficiente para outro país, será a redução do volume de produção ou a tentativa de venda no mercado doméstico. Ambas as medidas geram custos administrativos ao exportador e podem ainda resultar na demissão de empregados. A imagem da indústria exportadora também sofre com a medida, uma vez que o dumping está vinculado a práticas de concorrência desleal utilizadas para aumentar a competitividade (artificialmente) e conquistar um determinado mercado.


Assim, as indústrias exportadoras brasileiras não podem correr o risco nem se deixarem prejudicar por formalidades e procedimentos de investigação de dumping por parte dos governos de outros países que muitas vezes acreditam no despreparo das indústrias dos países em desenvolvimento, e tentam se aproveitar para impor medidas antidumping arbitrárias e abusivas. Ao ser notificada sobre uma investigação de dumping, a indústria exportadora brasileira deve ser capaz de analisar o contexto da investigação e atuar rapidamente na coleta das informações e documentos necessários, para que não seja prejudicada em razão de formalidades ou procedimentos. É necessário um planejamento e uma estratégia de defesa, pois além de defender-se na questão do cálculo da margem de dumping, o exportador deverá argumentar principalmente no que se refere aos cálculos dos danos causados à indústria doméstica do mercado que supostamente sofreu o dumping.


Dessa forma, é imprescindível que a indústria exportadora brasileira, em seu próprio interesse e no interesse nacional, com o apoio do governo brasileiro, envolva-se e acompanhe as questões políticas e econômicas dos mercados em que atua, bem como invista em capital humano capacitado para a compreensão destas questões e das regulamentações do comércio internacional no âmbito da OMC. Quanto maior o conhecimento da dinâmica das forças do mercado internacional, dos seus atores e de suas tendências, mais rápida e eficaz a capacidade de resposta da indústria exportadora, no sentido de ajustar-se à dinâmica e às instabilidades do mercado; instabilidades tais como, por exemplo, a aplicação de uma medida antidumping.


[1] Para exemplos sobre arbitrariedades cometidas pelas entidades investigadoras de dumping dos EUA consultar o seguinte artigo: Barral, Welber; McGee, Robert. ‘Aplicação de Medidas Antidumping pelos Estados Unidos’. Revista Jurídica – Instituição Toledo de Ensino. Consulta em: http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/20269/aplicacao_medidas.pdf?sequence=1
Para comentários sobre a discricionariedade dos procedimentos da União Européia, consultar: http://trade.ec.europa.eu/doclib/docs/2006/september/tradoc_129812.pdf


[2] Barral, Welber e Peres, Ana Carolina. Medidas antidumping e liberalização comercial. Consulta em: http://ictsd.org/i/news/12426/


[3] A tarifa aplicada alumínio brasileiro é de 17,6%. Council Regulation (EC) No 925/2009: http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2009:262:0001:0018:EN:PDF


[4] Melhor informação disponível pode ser a informação disponibilizada pelos próprios produtores domésticos interessados na aplicação da medida antidumping; o que obviamente não é benéfico para o exportador alvo da investigação.


[5] Petroflex, empresa brasileira alvo de investigação antidumping em 1998, consciente do curto prazo e dos métodos arbitrários aplicados pelos órgãos norte-americanos, optou por não formular defesa na questão da margem do dumping e concentrou sua defesa no cálculo dos danos (onde acreditava ter mais chances de reduzir o valor), e manifestou sua posição em carta official para o governo dos EUA: “the company does not anticipate a significant reduction in the final margin to warrant further participation in the [Department of Commerce’s] investigation´´ and “has therefore decided to focus its efforts on the injury proceedings at the U.S. International Trade Commission.” Fonte: 64 Federal Register, página 14,863, March 29, 1999.


[6] Ambos os mecanismos (EUA e UE) prevêem a possibilidade de margens mais altas de dumping caso o exportador não coopere na investigação. “Cooperation is strongly encouraged. The consequences of non-cooperation normally lead to the imposition of measures which are higher than for parties which have cooperated.” Consulta realizada em: http://ec.europa.eu/trade/tackling-unfair-trade/trade-defence/anti-dumping/investigations/

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